10 setembro 2007



Segundas-feiras são um sorvete feito de um xarope ordinário sobre raspas de gelo.

08 setembro 2007

logo eu

Fingir que sinto
o que não sinto.
Fingir que em mim arde,
quando o frio gela.
Fingir que falo,
quando dentro calo a voz que grita.
Fingir que como,
quando a fome é outra.
Fingir que escuto,
quando surda estou.

Fingir, fingir, fingir.

Logo eu, cuja face
é puro espelho rosado.

Logo eu, que, neste palco,
falto propositalmente aos ensaios.

Logo eu, que persigo a verdade
como se esta fosse meu último suspiro.

Logo estarei longe
longe de mim.

Logo eu.

07 setembro 2007

febre

Estou longe de casa, muito longe daquilo que é hoje a minha casa, em todos os sentidos. Moro numa cidade que nada tem a ver comigo, que deixo me desrespeitar, que deixo me oprimir, que deixo me prender sem nenhum laço ou nó visível, mas que só eu consigo ver. Esta cidade me adoece, me põe de cama, me fecha as janelas e apaga a luz natural.
Como explicar o lugar onde se nasce e onde se cresce, antes de partir dele para outro? Procuro as palavras e tenho dificuldades imensas em compor meu pensamento. Ouço todas dentro de mim, pergunto o que pensam disso, e o vozerio das respostas me confunde. E nessa confusão, me perco e me desalinho das prováveis respostas. Nada e tudo faz sentido, ao mesmo tempo. Me comovo, me atrapalho, uso as mãos em gestos inúteis e desesperados. Quero entender, entendo, mas quero que todos entendam também. Não sei por que, mas preciso me justificar.
Tenho um termômetro dentro de mim - acho - que mede o nível de afetividade que existe em tudo. Atualmente ele está no nível máximo, e sei muito bem o porquê disso. Estou em casa, é isso. Tenho febre alta de afetividade, benigna, que não quero baixar de jeito nenhum. Quero essa febre para mim, sempre.
Árvores e crianças brincando nas praças me dão febre. A rua em que passeava antigamente, cheia de luzes e gente, me dá febre. Amigos antigos me dão febre. Amigos que faço e fiz à pouco, idem. Comidas, cheiros, temperos, frutas, esbarrões ao acaso, pontes, rodoviárias, sirenes, sinos, nuvens de temporal, ventos, balanços, placas de sinalização, obeliscos, setembros...tudo e mais ainda me dá febre.
Tenho febre, tenho sede. Sede de voltar. Mesmo que a febre baixe, que a sede se sacie, mas preciso desesperadamente tentar.

efemeridades às avessas

.
O castelo, breve, já existiu como paisagem,
na rua que nem sequer
existia antes na memória.
O sorvete, eterno, já está no sangue,
e se eterniza em forma de alimento,
gerando gás para um vôo a mais.

atelier, a série

Me encantam os ateliers que encontro aqui na net.
É claro, atelier é resultado de um processo existencial.
Não existem prontos, eles simplesmente existem conforme as andanças do respectivo artista.
Vou confessar:
Tenho verdadeiro fetiche por ateliers.
Tudo à mostra, como se vê. O cheiro de tinta está no ar. Um fio de sol sobre uma mesa onde convivem papéis, rabiscos, experiências, tentativas, umas com resultado e outras só fazendo presença, a evidência de uma tentativa frustrada, mas reveladora de uma vontade.
E quando o artista não está, o atelier fala do artista ausente.
O atelier canta sózinho a sua música.

05 setembro 2007

básicos




Vestir preto já não é mais considerado um clássico, dizem.
Passou de clássico, a um mero básico.

Básico como beber cerveja. Como comer em bifê à quilo. Como alugar filmes em videolocadoras. Como frequentar lan houses para entrar na internet. Como cantar em videokês. Como ter um carrinho básico. Como ir a um motel para uma rapidinha. Como fazer curso de informática.
Enfim, básico é simplesmente aquilo que é absolutamente normal e ordinário, quase todo mundo está habilitado para ele, assim como ele está ao alcance de quase todo mundo.

E o tal vestidinho preto não foge à essa evolução dos costumes (!!).
E agora, um costume básico.
Não sabe com que roupa vai àquela festinha de aniversário, àquele restaurante com o namorado, àquela vernissage? Vá de básico, querida. Só tem um probleminha: prepare-se para encontrar dezenas de outras quase iguais, que tiveram a mesma brilhante idéia que voce. E, se voce gosta de chamar a atenção da galera, contente-se com os olhares casuais e dispersivos e cumprimentos totalmente sem sal ou açúcar. Voce está com uma roupa sem luz, sem cor. Nem vermelho, nem azul, nem verde, nem rosa, nem nada: o preto é a ausência. Você está presente, mas sua roupa é simplesmente algo assim, meio ausente.

Ah, sim, voce jogou sobre o vestido preto uma bijouteria bem marcante...tá bom, deu um brilho na coisa, tentou a sorte grande com algo mínimo. Mas eu sinto muito em lhe informar que aquela coisa pendurada no seu pescoço está mesmo é reforçando a sua falta de personalidade. E todos sabem que o seu pretinho é que lhe comanda, e que voce obedece o pretinho, senhor do Reino do Seu Armário Básico.

Sinceramente, querida, mude de cor. Aliás, use uma cor, revele suas capacidades combinatório-cromáticas e sinta-se à vontade para sair por aí rodeada de cores. O mundo é colorido, faça parte dele e ajude a compô-lo com o que realmente faça aquele contraste e seja lindo de se ver. Aposente seus pretinhos básicos.

Sabe aquela da unanimidade burra? Pois é isso aí mesmo. Marque presença: aposte na cor. Seja a dama de vermelho, ouse num veludo azul, ou até submersa no melhor estilo submarino amarelo ou iluminada pelo abajur lilás. Vai mudar a sua lata, vai mexer nas estruturas e escancarar a sua presença aos olhares ávidos de emoções.

"Vesti azul...pápapapa-pá...minha vida então mudou...pápapapa-pá...vesti azul...papapapá-pá...e o broto então gamou."