09 fevereiro 2008

Mande Notícias

"Mande notícias", disse ele, virando-se para trás, antes de sair ziguezagueando com seu carrinho de compras pelos recheados corredores do super-mercado. Mas antes de ir-se, seus olhos caramelaram-se nos meus uma última vez. Ao virar-se, vi a meia-lua crescente bordada em curtos pêlos em sua nuca, sob o brilho do couro cabeludo limpo e uniformizado artificialmente.


"Mande notícias", e fiquei pensando que notícias eu teria para mandar para aquele cara que eu mal conhecia. Que tipo de notícias uma pessoa assim daria importância?



É claro, sem importância, por que as escreveria?



- Meu herói! - disse eu, levantando os braços para um eminente e forte abraço, caminhando em sua direção. Ele caminhava alegremente pelo ambiente da padaria do supermercado, e era só isso que eu via - ele caminhando, quase saltitando -, sem notar que o filho e a mulher estavam ali também. Ele me viu, sorriu e parou de soco. E recebeu e retribuiu o meu abraço sem cerimônia ou intimidação.

- "Meu herói" não...isso é exagero! - logo me corrigi, e ele prontamente concordou, rindo.

- Herói? Olhe minhas compras - disse ele, apontando para o carrinho.
Vi uvas e biscoitos - e, talvez, não lembro bem, papel higiênico - e lá estava o menino, sentado dentro do carrinho, com um olhar visívelmente incomodaddo pela minha presença inoportuna no seu passeio com a família.

- Sim, coisas que todo mundo compra - disse-lhe eu, ignorando a cara feia do guri, e acrescentei - Esse é o seu filho, né?

O menino não mexeu um músculo do rosto e agarrou-se com mais força às bordas do carrinho.

- Isso, o que todo mundo compra - ele disse.

E do resto eu não lembro bem. Conversamos reservadamente, cada um em seu espaço programado para só falar superficialmente. Olhava seus olhos caramelados e o contorno da cabeça, que me pareceu estar ainda mais liso do que a primeira vez. Queria que ele dissesse o que?

- Voltaste ou veio só passear? - ele perguntou.
- Só passeando, de novo. - respondi.
Aí ele se curvou a minha direção, o que deu ênfase ao proximo comentário:
- Acho que voce já está voltando.
Eu ri e fiz nem sim nem não com a cabeça e olhar. Ele acrescentou, com o olhar ainda mais caramelado no meu:
- Tu vai ser a nossa vitória!

Nossa!! Tremi na base, no caule, galhos e folhas. Derrubei os ninhos e enrolei as pipas. Fiquei ali, sem dizer coisa com coisa. Arrisquei, finalmente um "quem sabe?", e aí ele puxou o carro com a família, que já o açoitava com o olhar, para que andasse e deixasse os chatos prá lá.

E ele foi. Só que pediu para eu mandar notícias. E aqui estou eu, tentando organizar meu pensamento e fazer o que ele me pediu.

Por que insistimos em fazer heróis? Isso torna tudo tão mais...difícil!

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