08 dezembro 2010

O vestido do momento




Ela escolhera o vestido na véspera. Queria parecer leve, descompromissada, isenta daquela sobriedade da cor neutra, até porque desistira de vez - por uma resolução simples, mas definitiva - de ser aquela a qual todos olhavam mas nada viam. Queria estar com a leveza da cor e que essa cor deixasse claro a todos que ela havia mudado. Não por causa da cor, mas pelo fato de estar vestida dela e de não ter medo dos efeitos que ela pudesse provocar. Tudo questão de uma modesta estratégia.

Só não escolhera o vermelho, detestava obviedades. O vermelho seria leveza...demais. O vermelho a deixaria fácil, e isso seria um desastre. Queria criar uma certa dificuldade, um mínimo de mistério, uma leve camada protetora. Sim, a cor escolhida a protegeria na chegada, e no desenrolar do encontro sutilmente a revelaria, mas não a tal ponto de ser totalmente compreendida. Tem coisa mais sem graça do que ser totalmente compreendido? Alguém já havia dito isso...

Bom, pelo menos era isso que ela queria. O controle de si pela cor. Como uma camuflagem, para esconder aquilo que não interessava naquele momento. Difícil, já que o que se ve no primeiro instante - e aqui há controvérsias - sempre é a forma, e não a cor. Mas ela tentaria driblar isso, tentaria sim. Muito melhor do que desistir e deixar-se decifrar por falta de cuidados consigo mesma. E a hora era de cuidadoso planejamento, nada poderia ser feito por impulso.

Assim, escolheu cuidadosamente o vestido. Um tecido acetinado e fino, porém encorpado, que não deixasse revelar a sua forma, da qual ela - diga-se aqui de passagem - últimamente não se orgulhava nem um pouco. O tecido floral, em tons de rosa-azul-laranja-violeta, com pequenos pontos verdes fazendo vezes de folhas das flores pinceladas, lhe caia bem e lhe promovia o tom rosado da pele há muito longe do sol.

Desaprovara somente a falta de mangas para lhe cobrir parcialmente a grossura dos curtos braços...mas o que fazer? Os joelhos robustos à mostra lhe eram até toleráveis. "Para encompridar as pernas curtas grossas, deve ser usado um calçado cujo tom seja próximo ao tom da pele", ela lera em uma revista de moda. Para o rosto, havia a maquiagem. Os fios brancos se tingem com uma boa tintura para cabelo. As mãos já marcadas ficariam joviais com unhas pintadas. Mas os braços grossos ela não tinha como disfarçar.

"Feche os olhos. Pense bem de voce."

Em frente ao espelho, ela fechou os olhos. Antes de abri-los novamente, ela sorriu largamente para dentro de si. Olhou seu reflexo com simpatia e lá estava a imagem que ela gostaria que todos vissem.

"Eu sou assim agora, este é o meu corpo de agora. Não importa mais o que eu tento esconder. "

Na verdade, naquele dia, ela tornara-se aquele vestido.

A pedra azul


Sexta-feira, dia de faxina. Ou, pelo menos, era assim que era lá em casa, há muitas anos atrás.

A função de arrumar e limpar era grande, assim como a casa. Todas as pesadas persianas eram abertas, cortinas eram recolhidas e levantadas. Eram muitas camas para livrar dos lençóis sonolentos de uma semana inteira de preguiça e muitas toalhas murchas e descoloridas que tinham que ir para o banho a máquina. Não lembro quando foi que minha mãe começou a lavar roupas à máquina, parece que essa coisa sempre existiu em nossa vida. Que bom. Minha mãe que o diga.

O varal se transformava em labirinto e era ótimo para se fazer jogo de sombras, atrás dos lençóis estendidos. O perfume do sabão em pó era gostoso e se misturava ao perfume das madressilvas presas à grade branca da janela do nosso quarto. E agora lembrei-me que tia Dulce usava aquela pedrinha azul, o anil, para deixar as roupas mais brancas. E eu nunca entendia qual era a mágica daquela pedrinha, que manchava meus dedos e soltava uma tinta azul na água do balde. Se era azul, como é que a roupa ficava branca?

Mas eu não perguntava para ninguém o porque disso, eu simplesmente não tinha tempo. Interesse sim, mas meu tempo era tomado por novas e novas perguntas. Uma pergunta se sobrepunha à outra, e quase todas ficavam sem respostas. Não queria parecer boba. Eu fingia que nem ligava, também não tinha tempo para me importar com perguntas sem respostas. Uma ida ao quintal com um varal cheio de roupas penduradas já me deixava com a cabeça fervilhando de idéias e inquietações, todas misturadas umas às outras.

Hoje a minha casa está uma bagunça só. Há lençóis e fronhas para serem trocados e toalhas para irem para máquina de lavar. Penso em minha mãe, minhas tias, minha avó. Tanto trabalho, tanto trabalho! E mesmo com a máquina, tanto trabalho! A máquina só sacode, parada em seu canto. Ela não desfaz, não carrega, não estende nem tampouco mistura isto a tantas outras tarefas domésticas. A máquina não reclama, mas, de repente, pode parar. E aí é pane na certa na área de serviço. Assim como a minha cabeça, que também anda bagunçada. Mas funciona. E também pode parar, e esse tipo de pane é bem mais séria que a da área de serviço.

Vejam só o tamanho de meu devaneio. Estou aqui, entre quintais, lençóis, pedras azuis, perguntas sem respostas, minha mãe, tia Dulce e suas vida trabalhosas. E me parece que só agora arrumei tempo para procurar respostas...o que me preocupa muito. Mas as perguntas não param, mesmo com a maturidade. Só que hoje eu acho que não me importo em parecer boba ao fazer perguntas. Eu pergunto, eu questiono. E não perco essa mania, isso sou eu, uma dúvida ambulante.