08 dezembro 2010

A pedra azul


Sexta-feira, dia de faxina. Ou, pelo menos, era assim que era lá em casa, há muitas anos atrás.

A função de arrumar e limpar era grande, assim como a casa. Todas as pesadas persianas eram abertas, cortinas eram recolhidas e levantadas. Eram muitas camas para livrar dos lençóis sonolentos de uma semana inteira de preguiça e muitas toalhas murchas e descoloridas que tinham que ir para o banho a máquina. Não lembro quando foi que minha mãe começou a lavar roupas à máquina, parece que essa coisa sempre existiu em nossa vida. Que bom. Minha mãe que o diga.

O varal se transformava em labirinto e era ótimo para se fazer jogo de sombras, atrás dos lençóis estendidos. O perfume do sabão em pó era gostoso e se misturava ao perfume das madressilvas presas à grade branca da janela do nosso quarto. E agora lembrei-me que tia Dulce usava aquela pedrinha azul, o anil, para deixar as roupas mais brancas. E eu nunca entendia qual era a mágica daquela pedrinha, que manchava meus dedos e soltava uma tinta azul na água do balde. Se era azul, como é que a roupa ficava branca?

Mas eu não perguntava para ninguém o porque disso, eu simplesmente não tinha tempo. Interesse sim, mas meu tempo era tomado por novas e novas perguntas. Uma pergunta se sobrepunha à outra, e quase todas ficavam sem respostas. Não queria parecer boba. Eu fingia que nem ligava, também não tinha tempo para me importar com perguntas sem respostas. Uma ida ao quintal com um varal cheio de roupas penduradas já me deixava com a cabeça fervilhando de idéias e inquietações, todas misturadas umas às outras.

Hoje a minha casa está uma bagunça só. Há lençóis e fronhas para serem trocados e toalhas para irem para máquina de lavar. Penso em minha mãe, minhas tias, minha avó. Tanto trabalho, tanto trabalho! E mesmo com a máquina, tanto trabalho! A máquina só sacode, parada em seu canto. Ela não desfaz, não carrega, não estende nem tampouco mistura isto a tantas outras tarefas domésticas. A máquina não reclama, mas, de repente, pode parar. E aí é pane na certa na área de serviço. Assim como a minha cabeça, que também anda bagunçada. Mas funciona. E também pode parar, e esse tipo de pane é bem mais séria que a da área de serviço.

Vejam só o tamanho de meu devaneio. Estou aqui, entre quintais, lençóis, pedras azuis, perguntas sem respostas, minha mãe, tia Dulce e suas vida trabalhosas. E me parece que só agora arrumei tempo para procurar respostas...o que me preocupa muito. Mas as perguntas não param, mesmo com a maturidade. Só que hoje eu acho que não me importo em parecer boba ao fazer perguntas. Eu pergunto, eu questiono. E não perco essa mania, isso sou eu, uma dúvida ambulante.

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