27 fevereiro 2008

Os dedos de minha mãe

Os dedos de minha mãe estão tortos. Suas mãos envelheceram com ela e algo me diz que serei exatamente assim num futuro próximo. E eu, que sempre tive as mãos elogiadas pelas manicures diversas que habilidosamente as cuidaram, e até por alguns outros maníaco-observadores, entro em pânico só de pensar nisso. Minhas mãos, iguais às de minha mãe, com os dedos tortos.

Artroses à parte, as hábeis mãos de minha mãe fizeram e fazem história. Dali saíram obras de arte primorosas, sejam das que se come - primeiro com os olhos, depois com a boca - ou das que se veste/seca/enfeita. Tudo o que ela toca vira ouro, diriam, e é verdade. Ela é Midas, artesã de muitas ricas obras, escultora de sabores diversos para o corpo e a alma de quem tem o privilégio de estar ao seu lado.

Mãos trabalhadoras e pacientes, que escreveram com a desenhada letra de professora as provas e notas nas muitas cadernetas de anônimos alunos, dentre elas a minha, que aluna sua também fui. Mas os cadernos de receitas, meus preferidos, sobreviveram ao tempo, e deles ainda copio algumas. A mágica letra de minha mãe, caprichadamente inclinada á direita, indicando ingredientes e o modo de fazer alguns pratos que faço propositalmente me acompanharem aqui no auto-exílio.

Ainda vejo minha mãe bordar toalhas com seus dedos tortos. E nada do bordado me diz que eles estão tortos. A deformidade não atinge a alma da artista, ela ainda continua a executar as suas maravilhas. Diz ela que já não consegue mais fazer tudo o que fazia, o que discordo. A história dos muitos feitos estão gravadas ali naqueles dedos, e não é preciso provar nada a ninguém.

De mãe para filha, a herança. Mãos que tocam e transformam. Mãos transformadas pelo tempo, testemunhas dos próprios feitos, do qual todos irão lembrar e saber.

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