Era um quarto como os outros, não fosse a janela emoldurada por brancas cortinas rendadas com olhos.
Por vezes verdes, outras castanho-claros, aguçados ou sorridentes, faziam a ronda da calçada, onde pés descalços e bronzeados passeavam com suas costumeiras sandálias de borracha. E havia o muro verde, que de tão baixo servia de assento para aqueles que por ali quisessem faze-lo, pois o tempo ali seria breve, porém cheio de espectativas. E nem portões existiam ali, pois era preciso que a casa a todos recebesse sem cerimônias e só uma casa sem portões pode saber sorrir a todos que chegam até sua porta.
Apostava-se na brisa, ainda que fraca, vinda de mais de dez quadras da beira do mar. E os olhos da branca cortina aguardavam, pacientes, a quem viria com ela, naquelas tardes de férias de verão largas e preguiçosas.
Assim como Vovó se divertia contando silenciosamente os carros que passavam na avenida nas tardes de sexta-feira, aqueles olhos rendados contavam mentalmente as oportunidades que se fariam ou não existirem naqueles movimentados finais-de-semana. A felicidade talvez estivesse ali, a um jardim de distância, e estaria pacientemente esperando por elas, as habitantes daquele quarto, no momento em que elas quisessem deixá-la entrar.
Assim como Vovó se divertia contando silenciosamente os carros que passavam na avenida nas tardes de sexta-feira, aqueles olhos rendados contavam mentalmente as oportunidades que se fariam ou não existirem naqueles movimentados finais-de-semana. A felicidade talvez estivesse ali, a um jardim de distância, e estaria pacientemente esperando por elas, as habitantes daquele quarto, no momento em que elas quisessem deixá-la entrar.
E naquele quarto de cinco leitos - dois beliches e uma cama hospitalar (de onde veio aquela cama?) - , uma pequena cômoda e um pequeníssimo e ordinário espelho havia uma movimentação inacreditável de pernas, braços e desejos. A pequena cômoda era pródiga em artefatos de beleza: cremes, perfumes, maquiagem, pentes, escovas. E os armários de compensado com cortinas de tecido florido eram disputados prateleira a prateleira.
Não era à toa que elas o chamaram de "quarto das bonecas". Um misto de camarim e quarto, onde sempre um curioso que quisesse espiar o que acontecia lá dentro. E sempre haveria os resmungos por trás da mão que tampava a boca de Vovó, que com certeza gostaria de ter podido sentar-se sobre as camas feitas, sem se importar em desarrumá-las...
Não era à toa que elas o chamaram de "quarto das bonecas". Um misto de camarim e quarto, onde sempre um curioso que quisesse espiar o que acontecia lá dentro. E sempre haveria os resmungos por trás da mão que tampava a boca de Vovó, que com certeza gostaria de ter podido sentar-se sobre as camas feitas, sem se importar em desarrumá-las...
Mas era preciso preparar-se para o que fosse. E que fosse aquele dia o dia mais feliz das suas vidas. Apostava-se tudo que se tinha nisso.
A noite permitia esconder aquilo que o dia revelava, sem perdão. Não que o dia, a praia e o sol fossem carrascos, mas a luz artificial da avenida nos possibilitava o drama que precisávamos e isso nos ajudava a sair de nós mesmas, quebrando a nossa rotina de espelhos. Como fazer isso sob o sol? Queríamos ser outras e, às vezes, conseguíamos. Outras vezes só restava a esperança e o consolo proporcionado por uma casquinha de sorvete de uva com cobertura de chocolate.
Assim, depois de muita produção e alquimia de beleza, abríamos a porta do camarim-quarto para saltarmos para a avenida e dar a famosa "volta olímpica" repetidas e repetidas vezes. Mas antes, Vovô estaria sentado na cadeira de vime da varanda, ouvindo o derradeiro noticiário em seu rádio de pilhas de capa de couro marrom. E, com aquele seu inevitável sorriso maroto, nos perguntaria:
- Vocês estão levando a tarrafa?
Só precisávamos mais disso. Abríamos as nossas cortinas rendadas e acendíamos nossos olhos. E tudo seria como deveria ser.
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