15 julho 2007

meu pai



Domingo. Meu pai era um gringo.


Meu pai, filho de uma terra que misturou-se à uma outra, tinha o sonho no sangue. Era um sonho sonhado como os outros sonham, só que, para ele, os sonhos tinham o dever de se tornarem realidade. E ele fazia de tudo para que isso acontecesse.

Tudo o que fazia era em busca do inédito, do incomum, mesmo que esse incomum fosse sómente uma nova interpretação daquilo que já existia. E a isso dedicava-se com paixão cega, com afinco, com todos os seus sentidos maravilhados com aquela possibilidade.

Tinha que ser possível, tinha! Como não? O que faltava? É preciso pensar, inventar!

Nem que, para isso, tivesse que deixar de lado - ou colocar em segundo plano - algumas das coisas e pessoas que mais amava nessa vida. Deixaria de existir para elas durante o tempo que fosse necessário à materialização do seu objetivo, mas isto não queria dizer que o seu objetivo estava acima de tudo, o que custava a entender àqueles que o amavam.

Passou a vida inteira perseguindo pistas, seguindo rumos possíveis, fórmulas ainda não comprovadas de idéias mirabolantes de felicidade, dentro da sua lógica que icluía tão sómente as novidades. Mas, mesmo com toda essa paixão, o fez ainda muito tímidamente, pois não conseguiu e não teve o estímulo e a fé que tanto necessitava, nem junto de seus pares e tampouco dos seus familiares. Por isso, acho eu, sentiu-se um fraco, um incapaz, e rendeu-se àquela vidinha medíocre, que tanto lhe deixava triste. A vida medíocre lhe era um monstro destruidor de prazeres. A mesmice lhe soava como um mal terminal. E ainda houve a doença, o mal que também lhe atingia o corpo físico, a corroer o que lhe sobrara de vontade, além da grande negligência que passou a ter com a sua própria figura, antes tão luminosa e brejeira.

Meu pai tentou ser um artista do impossível.

Sabia, certamente, que sua arte precisaria de liberdade, de amor-próprio, de fé em si mesmo.

E precisou tanto disso, que rendeu-se também à falta que isso lhe fez.

Ao final da vida, desistira de si mesmo.

Achou que não valia a pena continuar. Deu como encerradas suas inúmeras capacidades.

Decretou a própria falência.

Apesar de saber amar com maestria, amou-se muito pouco.

E é preciso muito amor para levar a vida adiante. Nem que esse amor venha sómente de si mesmo. A fonte do amor está em nós.

E isso aprendi com ele.

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