23 março 2008

Confissões pascoais

Tenho uma confissão a fazer. Não conseguirei mais viver em paz se não fizer isso. E tem que ser agora. A maturidade também faz dessas. Afrouxa a gente por fora e por dentro.

O fato é que roubei uma sem-quantidade de bombons, balas, chocolates das cestinhas de Páscoa de meus irmãos, durante muitos anos. Sim, era eu. E eles nem notaram. E pior: roubei até de minha própria mãe de meu próprio pai! Será que tenho salvação?

Eu não resistia à tentação. A vontade era imensa e me consumia.Na época não existia a definição do chocolatismo crônico, éramos todos muito ingênuos. Eu era uma chocólatra em potencial e não sabia. E ninguém sabia, não se falava no assunto. Não havia o C.A. No máximo aquele comentário das tias, que chamavam-me de "formiga" durante um chá e eu achava até bonitinho. "Ela adora açucar", diziam, "puxou ao pai". E minha cestinha de Páscoa era uma das primeiras a ter seu conteúdo esvaziado. E aí eu surtava. Meus dentes começavam a ranger, minha língua coçava. Meu sangue pedia e como uma vampira sedenta eu tinha que ir atrás.

As primeiras vítimas eram aqueles que estavam com as cestinhas mais cheias, pois aí ficava mais difícil de notar a falta de alguma coisa. Quando os ovos já haviam sido meio-comidos, eu tratada de tirar umas pequenas lascas, com o cuidado de deixar o que sobrasse assim, proporcional. Eu explico: avaliava o ovo já semi-comido e escaneava sua forma tridimensional. Então hábilmente e cuidadosamente tirava lascas, deixando-o na mesma forma, só que um pouco...menor. Ninguém notava nada. Eu saía de fininho, bem faceirinha com o meu feito, quase satisfeita.

Mas um roubo bem sucedido chama outro. Olhava minha cesta cheia de...papéis amassados e surtava de novo. Suava frio. As mãos gelavam. Os olhos saltavam das órbitas. Não havia jeito, eu precisava!

Então, ia à caça de um novo distraído. As cestas estavam ali, eu sabia, ou dentro dos armários ou mesmo inocentemente descansando em cima da penteadeira.

Se não haviam ovos abertos, roubava as balinhas que, escondidas no meio da palha que forrava a cestinha, eram displicentemente despercebidas pelos donos. Quem não é visto, não é comido. Mas eu estava ali, sempre de olho, escrafunchando a palha. Tudo pelo vício. E se a palha fosse alta, eu poderia até encontrar coisas maiores como um ovinho de açúcar ou um bombom Sonho de Valsa, que era o meu preferido. E quase sempre era bem sucedida.

Bem, algumas poucas vezes fui descoberta. Ou mesmo delatada. Mas o tempo se encarregava do esquecimento. Passava-se um ano, chegava novamente a Páscoa e eu voltava à carga.

Muitas Páscoas, muitos roubos. Hoje é dia de confessar e pedir perdão. Sei que minha cadeira é numerada lá no limbo. Só não sei se há Páscoa por lá e ,se houver, se há chocolates meio-comidos em cestas com a palha alta e outros limbonianos assim, meio distraídos. Isso seria melhor que a encomenda.

Se assim for, eu certamente terei novas recaídas. E o céu vai ter que esperar, assim como a eternidade. Um minuto na boca e o resto da vida na consciência. Mas, como dizia minha sábia madrinha, "só se leva daqui o que se come e o que se vê". E ela não falou nem de corpo nem consciência pesados.

Meu medo é que no limbo haja um curral de vacas leiteiras. E muitas plantações de cacau. E uma linha de montagem de ovos de Páscoa só me esperando prá iniciar a produção...aí a eternidade vai ficar mesmo é para depois da eternidade.

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