19 março 2008

Cláudia e as ervilhas

A pequena Claudia não gostava de ervilhas.

Recusava-se a come-las e as atacava com o garfo, expulsando-as do círculo sagrado de seu prato. Pobres ervilhas! Amontoavam-se amedrontadas umas sobre as outras, sem chance nenhuma de acordo. Uma vez ali, em grupo, ainda tentavam um improviso de última hora. Quem sabe em forma de um colar? Ou, talvez, uma simpática taturana? Bolinhas de gude? Uvinhas? Pura perda de tempo.

Dali do canto do prato redondo elas, as ervilhas, assistiam às sucessivas garfadas do fofo purê de batatas serem levadas à boca da pequena Cláudia. O purê ia e o resto ficava.

No prato de Claudia o santo sempre tinha vez. E o santo do prato da pequena Cláudia devia ser bem gorducho. Difícilmente ela comeria tudo o que lhe era servido comedidamente, pois já era sabido que dali muito pouco ela iria levar à boca, mastigar e engolir. Mesmo assim ainda se tentava sugerir a ela tais novas possibilidades alimentares. "Ela é chatinha para comer, né?", comentavam as tias em tarde de chá. "Pode ficar doente assim" ou "por isso que é magrinha e branquinha", tergiversavam as primas mais velhas nos encontros dominicais ou em rodas de chimarrão.

Enquanto nós, seus irmãosmais velhos, já mais altinhos e parrudinhos, raspávamos o prato, a pequena Cláudia fazia careta para mais da metade do que havia no dela. "Que pecado", ela ouvia, "com tantas criancinhas sem ter o que comer..." A cara feia cotinuava lá. Com a ponta do garfo ela ia empurrando tudo o que considerasse intragável. Seus critérios iam e vinham, passeando pelos seus cinco sentidos. Forma, textura, cheiro, quente, frio, cor. Até o barulho contava.

Aliás, barulho contava muito. Lembro que o pai detestava nos ouvir mastigando milho verde cozinho, dizendo que aquilo parecia o eqüino mastigar de um cavalo. Eu achava isso muito engraçado e fazia mais barulho ainda.

Olho para as ervilhas e lembro dela, nesse estranho longe-perto em que nos encontramos agora. Isso é razão para um sorriso instantâneo em meu rosto. Ela era chata para comer, e daí? E hoje possui um monte de novos desafetos alimentares, coisas que "apareceram" aqui e ali, naturais ou adquiridas. Isso para mim não faz a menor importância. Nem sei se ela hoje gosta de comer ervilhas. Mas sei que ela gosta das piadas de ervilhas, assim como gosta de tudo que é tipo de piadas, o que me faz ficar sempre muito próxima dela.

Diga-me o que voce come - ou não - e eu lhe direi que isso me interessa muito.

Cláudia era chata mas as ervilhas eram redondas e divertidas. Boas prá olhar e empurrar com o garfo. Talvez seja esse o segredo de uma boa piada, não? O que é um pontinho verde no tapete sob a mesa de jantar?

Um comentário:

CLAUDIA ZUCCOLOTTO disse...

Continuo não gostando das ervilhas...elas parecem pequenos seres ...e juntam-se a elas os feijões brancos, que, sempre que os vejo, seja em alguma salada ou no mocotó, insistem em piscar para mim...