05 março 2008

Im-pressionada



Me tortura pensar no que eu deveria - ou poderia - estar fazendo ao invés de estar aqui. Mas volta e meia, meia volta, volta inteira, aqui estou. E nada me tira da cabeça que isso é uma questão de tamanho de janela. E, além do tamanho, o quanto de horizonte eu consigo enxergar através do nevoeiro além dela.

Ontem assistia na tevê a um documentário sobre a vida de Monet, aquele pintor que provocou a gênese de um movimento - nas artes plásticas - chamado Impressionismo. O locutor mostrava, então, um quadro do pintor, uma marinha com barcos, pontes e a cidade ao fundo, tudo imerso em um grande nevoeiro. Era uma paisagem "suja", mal se via ou conseguia distinguir as silhuetas do que era um barco, uma figura humana, prédios e outros elementos daquela pintura, devido ao efeito esfumaçado e pontilhado que ele havia trabalhado com seu pincel.

Parecia - e essa era a intenção - que o pintor não queria que nada ficasse definido, que o observador é deveria intuir sobre o que via ali. Não deveria haver necessidade de tradução, mas sim, capacidade de abstração por parte de quem a fitasse. As figuras assim, quase como derretidas, só mostravam o necessário para a sua compreensão, e abolia sua explicação mais apurada. Ele queria causar uma impressão - e o nome do quadro é "Impressão do Nascer do Sol" e daí vem o termo Impressionismo - de algo a alguém, mas não explicá-lo totalmente, para que quem o estivesse lendo naquela pintura pudesse interpretar, conforme a sua sensibilidade. E certamente isso estava destinado a quem fosse suficientemente sensível a esse recado meio que pela metade, mas totalmente inteiro na intenção de transmiti-lo.

Como um olhar.

Um olhar sem palavras, mas que dissesse tudo que se precisasse saber. Um olhar como uma luminosa vitrine, que ofereceria um alfabeto inteiro para quem soubesse como usá-lo para formar as palavras certas. Um olhar com uma paleta completa de cores. Um olhar que não oprime e não dita, mas sugere.

Tenho uma paisagem com nevoeiro diante de minha minúscula janela. Me esforço para perceber as mensagens sugeridas - vejo pouco, algumas luzes e sombras, silhuetas sem referências - , e faço isso com aquela agonia de quem sabe que há realmente algo para ser visto e compreendido. Sei que é para mim o recado, e mesmo que muitos o observem ao mesmo tempo e me dêem sua interpretação, eu sinto que não é bem isso.
Fecho os olhos ao meio, como que apurando o olhar para fixar um foco. Há algo além desse emaranhado que não consigo, por mais que tente, entender. Me prendo a detalhes, dicas, memórias, desconfianças, probabilidades. Vazo para não encher demais. O nevoeiro não cessa, e, surpreendentemente, a impressão que me vem é a mais cruel de todas: estaria eu desistindo?

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