21 abril 2008

óculos da sorte

Abro o leve pacotinho branco, rasgando pela ponta, ávida por uma surpresa boa. Lá está o biscoito em forma de meia lua e, dentro dele, sua sorte em forma de palavras e números numa tirinha branca de papel.

Espio pela estreita fresta do biscoito. Olho para os lados, como se não quisese ter testemunhas de meu quase desesperado ato. Não, ninguém me olha. Estou só no meio de uma pequena multidão barulhenta, distraída e totalmente desinteressada no que tenho nas minhas mãos em concha.

O segredo é e será sómente meu, no momento em que eu souber dele. E isto me faz dona da maior coisa que possa existir no mundo. Tenho a mina de meu tesouro nas mãos, com o tesouro dentro, ainda por ser descoberto.

O meu segredo. Só meu, e de mais ninguém. A importância que dou a isso é imensa. Sinto o sangue gelar, as mãos ficam sem tato de tanto pegá-lo e manuseá-lo. Meus pés formigam dentro do sapato fechado e o chão parece que some. Esqueço meu endereço, meu número de telefone e as luzes à minha volta se apagam.

À minha frente, só brilham aquelas letras pretas na tirinha de papel branco. Aquilo mudará a minha vida, o meu destino, a minha sorte, de agora em diante. Nunca mais serei a mesma. Meus olhos piscam uma, duas, tres, um sem número de vezes, até que eu focalize o alvo. Sim, esqueci-me que preciso de óculos...e isso me chama à memória do quase-esquecido tempo. Ah, onde estão meus óculos?

Um breve lapso, pequeno , porém muito significativo. O tempo cobra de mim suas dívidas de graciosidade desperdiçada. Meus olhos me valeram sem este acessório por muitos anos. Reviro minha bolsa e nada deles. "Cadê meus óculos?", pergunto eu para mim mesma. E aí noto que o chão apareceu novamente, que minhas mãos já sentem e os meus pés voltam a sapatear suas volúveis e intrigueiras joanetes.

Era tudo o que eu não queria. Como pode acontecer isso? mesmo sem estar presente, meus óculos, aquele famigerado, aquele infeliz larápio roubou-me a alegria da surpresa do biscoito da sorte!

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