13 maio 2008

eternamente, Yolanda

Há uma no atrás eu pousava na terra natal, mais uma vez. Era noite e era frio. E frias foram as palavras que consegui para descrever esta minha chegada, tão diferente do que realmente o foi. Pois já faz um ano que isso aconteceu. E em um ano tudo pode esfriar, se deixado propositalmente à janela, para ser esquecido ou roubado pela roda do tempo.

Coisas do acaso, ou de meras circunstâncias. Há um ano atrás eu era uma outra que chegava, e permaneci outra que se via ali como sempre fora. E todos me reconheciam como tal, mesmo trazendo o vento nos cabelos agora lisos. Até o frio me reconhecia, quando vesti aquela blusa vermelha e entrei confiante naquele pesado e cheirando a guardado casaco de lã cinza. E quando alguém me perguntava "Querida, voce não está sentindo frio?" eu pensava que nem mesmo com a fúnebre reunião familiar prestes a acontecer eu sentiria este frio, pois algo acendia minha lareira interna e me fazia em brasa.

Como explicar a amizade do amor que nunca termina e jamais vai terminar? Eu trazia a mim numa noite fria e estrelada, já sabendo da tristeza e da morte, quando busquei por ela sem saber. Mas o que meus castanhos e sempre crédulos olhos viram foi uma fogueira de pessoas queridas que vinham ao meu encontro. E todos no frio da noite e da tristeza se tornaram como cobertores e mantas que me aqueceram. Nem sabia se eram lágrimas ou suor. Derreti-me. Capitulei. Eu, que tão somente me trazia, era levada de volta no tempo pelo abraço daqueles que me eram tão queridos.

E no ar da noite cantamos as nossas canções da memória pródiga, abraçadas umas às outras, em meio a caminhos de almas, de flores, anjos de pedra e orvalhos. Nos afastamos da tristeza para poder cantar uma canção que é muito mais do que uma canção. Quisemos que fosse uma verdadeira declaração de amor à vida que se fora. Uma canção de amor à nós mesmas, felizes e agradecidas pelo reencontro há séculos conspirado e maquinado pelas estrelas.

Lá de cima ela certamente ria daquela cena e dobrava-se sobre si mesma, de tanto rir.

"Yolanda, eternamente Yolanda".

Quem nos via ali naquele instante, abraçadas e acinzentadas pela noite, olhos brilhantes, corações em chamas e queixos erguidos, jamais entenderia. Nem uma imagem, nem mil palavras, nem luvas, nem lenços. O vapor de nossas bocas foi-se agradecido às mesmas estrelas, levado pela transparência de uma profunda alegria - talvez meio contida -, alegria de velório e de cemitério, alegria de mães, filhas, tias, primas, amigas.

Aprendemos mais um pouco naquela noite. Até em sua morte ela nos era extremamente generosa como sempre o foi em vida. Ela era feita de açúcar e sal, tinha as bochechas e o coração muito vermelhos e isso jamais será esquecido. Lições são aprendidas assim, quando menos se espera, quando se espera o de menos. E o menos se transforma em muito mais.

Um comentário:

Deni Daudt disse...

Aquela cena, está ainda impregnada em mim, em muitos mo0mentos tristes e alegres tbm canto a canção, lembrando dela e de nós...
Umas doidas varridas, cantando pela madrugada fria.Foi muito lindo.