06 maio 2008

sem acordos

Manhã dos passarinhos.
Caminho, páro. Há flores logo ali na borda. E são de um laranja tão sedutor que o vento pára também por ali. Páro e o vento pára na minha mão, fazendo cócegas entre minhas unhas vermelhas.

(Escrevo como não deveria escrever. Minha linguagem é de antes, da antiga, por puro prazer de observar e entender plenamente o seu desenho. Acentuo coisas que não devem ser. Eu ainda páro, sómente, e acentuo minha parada e minha improvável solidão nesta forma de ver as coisas. E preciso acentuar também a parada do vento, pois este vento existe há muito, como eu. As coisas perderiam valor pela perda de acessórios?)

Eu falava das flores e com as flores daquela borda de estrada, de sua cor laranja mais tangerina do que a própria fruta de maio, e o vento me dizia que carregaria seu perfume de mel para além da estreita e esquecida borda, se eu quisesse ou se lhe contasse segredos do meu caminho daquela manhã. Pensei: "Isso não seria justo. Ele pode levar sómente o meu chapéu, mas os meus segredos não".

Encarei o vento de frente, com toda a energia arrogante da minha e ondulada superfície de contato. E disse-lhe que só tratasse de continuar seu caminho, a ventar cabelos distraídos e areias esquecidas, pois meus segredos estão todos dentro de uma caixa, lacrados dentro de mim.

Meus tão secretos segredos são intocados. Ainda estou para descobri-los e esta descoberta é um privilégio. Ainda existo para isso. E vento nenhum conseguirá tirar o que tão delicadamente se esconde, há mais de mais de mil anos, aqui dentro. Olho para as flores e elas me acenam um singelo sim, com seus humildes caules que dançam uma dança regular e inequívoca. E ainda borboletas nem existiam por ali, para testemunhar o que se passava.

Me despeço das flores e sigo adiante, não sem antes tomar algumas como reféns em um pequeno buquê nas mãos. Finjo que minhas unhas são pétalas e sorrio para dentro do meu imprevisível céu nublado. "A ventania despetalou mais uma das minhas rosas vermelhas", eu penso. Preciso cuidar das outras, colar-lhe as redomas e adubar-lhes o solo. Minhas bordas já estão nuas e o mato quer tomar conta do que restou de estrada em mim.

Hora de voltar e novamente dar vida aos canteiros e aos jardins que me ladeiam, mesmo ouvindo uma voz insistente que ecoa em minhas cavernas ancestrais, uma voz rouca e agoniante que me diz constantemente para deixar tudo como está. "Deixe como está!", ela diz, "pois a casa deve ser tomada pela hera e não pelo desabrochar de flor alguma". Peço ao vento "leve esta voz com voce, livre-me dela", ao que ele responde só com um zunido em meus ouvidos.

O vento quer meus segredos para espalhar por aí. Há que se ter muito cuidado nestas manhãs. Ele, que por todas as mínimas frestas passa transparente e despercebido, quer a tudo sem poder conter nada. Como explicar que segredos não têm perfumes? Que estradas não têm segredos? Que bordas floridas de laranja são leais à paisagem e só se entregam às chuvas da primavera?

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