20 maio 2008

roubaram minha bicicleta

Ela não estava mais lá. Eu a havia encostado na parede da garagem, ao lado da porta de entrada principal da casa. E toda a vez que chegava com o carro, ela estava lá, sempre a postos, já bem empoeirada pela falta de uso. Empoeirada por puro desleixo meu, tá certo, mas isso não quer dizer que estava abandonada. Deixamos de lado algumas coisas por um determinado tempo, e isso não quer dizer que não a usemos mais.

E isto também não quer dizer que qualquer um entrasse ali e, num momento de descuido ou distração, a tomasse de mim por achar-se nesse direito, já que a dona não a estava usando mais.

Quem sabe, um dia, eu estivesse animada a pedalá-la novamente pelas ruas desta cidade, como antes o fazia com Anabela na cadeirinha à frente. Eu pedalava e Anabela cantava para mim músicas que ela mesma inventava. A cadeirinha já estava pequena, mas era só trocá-la de lugar, passando-a para a carona que já existia. No mais, teria que dar um trato na lataria e na borracharia. Com os dois pneus arriandos até o chão e a correia totalmente sem graxa, a magrela não me levaria a parte alguma. Um banho de oficina: ela só precisava disso.

Ela era azul. Era linda, dócil, de banco espaçoso e confortável para a minha retaguarda avantajada. Bom, nestas horas é muito bom ter uma retaguarda avantajada. Tudo tem os seus porquês. Olho para aqueles micro-selins das bicicletas atuais e me encho de pavor. Dói só de olhar, não sei como é que conseguem sentar naquela coisa mínima por mais de 15 minutos.

Dizem que depois de uma certa idade é muito difícil de se aprender a andar de bicicleta. Eu tive sorte, aprendi cedo. Minha mãe já não teve esse privilégio e, quando quis aprender, já era tarde. Não conseguiu de jeito nenhum equilibrar-se e pedalar ao mesmo tempo. Faltava-lhe a lembrança de ter-se equilibrado pelo menos uma vez numa descida...e isso ela não tinha como lembrar, pois nunca tivera isso na infância. E andar de bicicleta é daquelas tarefas que, uma vez aprendidas, nunca mais se esquece.

Invadiram meu pátio e roubaram minha bicicleta. Mas não só a bicicleta. Roubaram parte de minha alegria. Roubaram parte de minha história. Roubaram parte de minha esperança. Roubaram parte do vento em meu rosto. Roubaram parte de meus cabelos revoltos. Roubaram canções que eu cantava para Anabela e aquelas que ela cantava para mim. Roubaram uma forma de eu me relacionar com as ruas e a paisagem desta cidade que nem sei se um dia foi minha.

Ninguém pode tomar de ninguém o que lhe pertence por direito, sob pena deste - o malvado larápio sem coração - saber eternamente que aquilo nunca será realmente seu. E que isso seja uma praga que eu lhe rogo neste momento. Todo objeto roubado tem a sua história. Como um castigo a quem a roubou, a bicicleta tomada sempre falará por si. E que isso lhe incomode pelo resto dos seus dias.

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