14 julho 2010

Caixa da Memória

(Essa aqui...não lembro quem é...mas e daí?)


Na mesa, com minha mãe, deixo de ser eu mesma para ser totalmente sua filha. Minha mãe acha que me conhece, mas ela não sabe quem eu sou. Nem eu mesma sei quem eu sou, como ela saberia?

Nos distraímos com as caixinhas de chá, com a garrafa térmica quebrada - que ela diz "eu a tenho desde o seu casamento!"- , com a toalha de renda sintética branca e escorregadia sobre a mesa de fórmica também escorregadia, com as pesadas facas remanescentes do antigo faqueiro, e com as xícaras desencontradas. Relevamos assuntos desencontrados e pessoas que passam ser deixar vestígios importantes.

A vida também é feita de coisas desimportantes. Um chá de jasmim pode muito bem lembrar uma tarde que se perdeu na memória. E não por ser uma tarde importante, mas por ser uma tarde perdida no tempo da memória. A memória daquela tarde é spam, que pode ficar no lixo e passar despercebida. A memória de um chá da tarde que pode ter existido sómente na nossa memória.

Nossa memória desimportante nos chama à importância. Queremos ser alguém dentro de nossa vida desimportante. E é por isso que guardamos pistas para isso, como uma caixa de fotos antigas, de antigos personagens que fazem parte de nossa história, de quem nem se sabe muito bem quem são.

Mas estão todos lá, reunidos dentro da caixa decorada, em poses tão herméticas quanto à própria existência. Há manchas amareladas sobre faces e roupas brancas. Pessoas já mortas nos sorriem dentro das molduras. Todas aquelas pessoas de nossa história cabem aqui, dentro de uma caixa e a caixa dentro de uma gaveta. E a gaveta da cômoda encerra vidas e vidas.

- Nem sei por que guardo essas fotos - diz minha mãe.

Gosto das fotos pela sua beleza estética. Não sei quem são aquelas ilustres pessoas. Sei que são, de alguma maneira, meus antepassados. Mas não confio nessa informação, pois antes de mim a história teve muitas faces e muitas foram as versões. Só posso crer naquilo que vi e ouvi para poder passar adiante, e naquelas fotos não há legenda.

Mas há a memória de minha mãe, que me salva dessa minha ignorância. Com ela, descubro que minha avó tabém foi jovem, que ela não foi sempre a velha que conheci e aprendi a amar. Então começo a pensar em minha avó de outra maneira, com um novo rosto, sem cabelos brancos e sem rugas. É estranho, muito estranho, parece que não é ela. Nesta momento fico aflita, quase perco a memória de minha avó.

É como perder algo que mal se tem. Temos uma memória que não consegue, por mais que se esforce, guardar. Se mal nos conhecemos a nós mesmos, estamos condenados a aceitar pistas plantadas e fotos sem legenda, dentro caixas, de alguém que amorosamente as guardou e nem sabia para que.




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