02 julho 2010

meu olhar, minha TUKA

Só assisti ao "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" anteontem. O filme é de nove anos atrás, mas eu sou tardia, como todo mundo sabe. E não que eu queira ser. Dever ser algo químico, genético, efeito retardado...e, quando falo do tempo, tudo pode. 9 anos é um pentelhésimo de segundo na idade do mundo, não é mesmo? Logo ali.

(Então não vou me preocupar com a minha lentidão, até porque só eu mesma posso me cobrar a pressa que não tenho para certas coisas.)

Quando assisto a um filme que me encanta, fico possuída pelo seu espírito. E pode até acontecer de eu sair por aí pensando que sou a própria personagem principal. Se eu me identifico com ele - o filme e seu personagem - por exaltar e ressaltar meus próprios tesouros e pensamentos, eu o "adoto" para o resto da minha existência.

Mas, para isso, é preciso lembrá-lo.

Se pudesse emoldurar os filmes que gosto e colocá-los na parede feito quadros, eu o faria. Minha memória já não é como antes, esqueço - não tão facilmente, mas esqueço - de algumas cenas importantes. E é preciso sempre recordar de tudo, para poder recordar-se. Como naquele outro filme em que a moça acordava todo dia sem memória e tinha que lembrar de tudo através de uma fita de vídeo.

Devia ser assim. Acordar sempre com essa visão em pequenos flashes importantes de quem a gente é, para começar o dia sabendo quem é quem ou o que na sua vida, dos quais voce não pode esquecer durante os seus dias.

Recordar é um esforço necessário. É preciso saber-se para não se deixar ir vazia na direção do desconhecido. E também para deixar que o desconhecido nos engula e nos torne seres com identidade automática ou indefinida.

Quero lembrar de Amélie Poulain ao olhar para as nuvens em forma de ursos e coelhos. Tá certo, eu via mais ovelhas ao invés de coelhos e ursos, mas isso não faz a menor diferença. Mas eu ganhei uma câmera fotográfica, de minha madrinha, aos 6 anos de idade, e com ela fiz algumas fotos que se foram com o tempo. Lembro da marca "TUKA", preta, com um enorme botão vermelho.

Queria lembrar das fotos que tirava. O que será que fotografei? Eu poderia ter fotografado as formigas cortadeiras, com suas pesadas cargas de folhas cortadas nas costas, circulando trôpegamente nos galhos da goiabeira, lá nos fundos da casa "velha". Poderia também fazer instantâneos dos grilos no jardim da frente, nas manhãs de orvalho gelado. E até os vazios dos tijolos no muro em frente àquela casa, ondem brincávamos de "banco" e ali amontoávamos folhas de árvores, o nosso "dinheiro" tão fácil de encontrar.

Se hoje fosse o dia em que ganhei aquela máquina, eu faria muitas, muitas fotos de meus avós e de sua casa...pois ontem, fui até lá, e a casa não existe mais. No lugar da casa, só um terreno cheio de lixo. Nada de pomar, da horta, da cocheira. Foi um baque, um soco no estômago. Vi somente o muro semi-demolido, e o lugar onde era o portãozinho de ferro. Nada mais daquilo que via se fazia entender da imagem que guardo na minha memória.

Eu quis falar aqui da memória que tenho no tempo que ainda não sabia que a tinha. E confesso que não me é fácil. Precisaria voltar aos 6, volver a los 6, para saber. Ver com os olhos que ainda eram puros. Sei que guardo em algum lugar dentro de mim estes olhos e que eles ainda sabem olhar como aos 6.

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