07 março 2008

Cena I

Uma pequena menina de cabelos curtinhos, pelos seus 5 anos, e sua bisavó de cabelos muito brancos, vestido largo, ancas e seios fartos, sentadas num velho banco de madeira sob uma árvore frondosa, numa manhã solarizada de um dia qualquer do passado atemporal. Moedinhas de sol no chão de terra batida, formigas cortadeiras prá lá e prá cá, carregando cortes de goiabeira.
A Nona - como a menina a chamava - a está ensinando a costurar uma saia para sua boneca. Uma agulha com linha branca, um retalho retangular de pano branco. Ela ziguezagueia cuidadosamente com a mão envelhecida, furando o pano e puxando, formando pregas. A menina, ajoelhada à sua frente, planta seus olhos sobre a costura, piscando muito, como se gravando quadro a quadro a imagem na retina, para que ela nunca se vá. E pede aos céus que as suas mãos entendam o que estão assistindo, pois suas bonecas precisam urgentemente de novas saias.
O tempo passa. Naquele pátio, debaixo daquela árvore, foram poucas horas. Talvez ali, na entrada da cozinha, ou nas escadas, elas sentaram-se mais algumas vezes. E destas, talvez costurassem casaquinhos ou calças compridas. Quem sabe até vestidinhos, para um enxoval ou viagem. Mas a imagem da Nona costurando aquela saia branca pregueada, cristalizou na retina e a acompanha até hoje.
De sua casa, sentada agora em cima do muro, noutro dia ensolarado qualquer, a menina via o entra-e-sai lá da casa da Nona. Muita gente de preto chegando e entrando na porta de frente. Todos se abraçavam, mas ela não conseguia ver os rostos, era longe. A mãe disse-lhe para ficar em casa e não ir para o pátio, sentar no banco sob a árvore. A Nona não estaria lá, ela tinha ido para o céu.
Sentada em cima do muro, com a maleta de roupas e a boneca no colo, olhando para o céu. Ela só via o azul.
Nas mãos, a agulha e a linha, espetada num pedaço de pano branco.

Nenhum comentário: