08 março 2008

Propaganda

Uma mulher de meia idade entra em uma espécie de pavilhão, com pé direito bem alto. Um piano - que não se vê - pontilha nota suaves. Ali, logo à frente, um enorme painel fotográfio. É uma foto sua e ela logo logo se espanta. Caminha em direção do que ve, olha para cima, calcula o espaço. Seu sorriso é enorme, é uma janela branca.Ela segue e encontra, em outra parede, outro painel, imenso, onde ela está com seu filho recém nascido. Ela se emociona e chora. O piano cresce. E assim ela continua, e encontra muitas outras fotos suas e de sua família. Um misto de curiosidade e emoção a fazem caminhar pelos espaços do pavilhão, abrindo passagens e visualizando novos painéis. Ali está ela com a mãe, pai e os irmãos, com os filhos, com o marido...como numa espécie de viagem no tempo os painéis aparecem sucessivamente nos espaços onde entra. Sempre enormes, imensos, em preto-e-branco. Parece que ela quer abraçá-los, tenta alcançar com a mão os rostos, como querendo traze-los prá dentro de si. Nas fotos ela está sempre sorrindo. Ao final, encontra-se com a família, que a surpreende, saindo por detrás de um dos painéis.

Não sei se minha descrição foi à altura do que vi. Parece-me que minha competência falha. Acho que a emoção às vezes faz a gente trancar. Bom, eu tentei.

Há momentos felizes na publicidade brasileira. Sou fã de propaganda bem feita, bem pensada. Aliás, sou fã de tudo que é bem feito (quem não?), e bem feito nos mínimos detalhes. Gosto de ver a sutileza ser personagem principal, mesmo que essa sutileza tenha cinco metros de altura. Poder notar que uma imagem contém uma lenda, e em poucos segundos constatar a importância dessa lenda na história de alguém. Ou constatar que é o vento invisível que faz a pipa balançar frente à um céu de brigadeiro.
Tenho olhos famintos de imagens que não estão lá. Minha memória reclama na justiça maus tratos e exige indenização.

É claro: há uma máquina atrás do filme de propaganda. Pessoas que estudaram para mexer com a gente, para nos emocionar e nos pegar desprevenidos para vender seu sapato novo. Mas algo me diz que devo separar as maçãs na cesta. O filme não é exatamente a propaganda e vice-versa. Ele vai muito além disso, quando atinge em cheio um coração. Não quero comprar nada, quero ver sómente aquilo que consigo ver com os olhos vendados. Do que eu ouvir, eu desligo o canal da hipnose e sigo a trilha florida da música, sempre povoada de lindas imagens.

Gostaria de ver painéis de mim mesma em paredes num pavilhão, daquele jeito como a propaganda mostrou. Eu diria até que isso é urgente. Preciso demais. Minha memória está pulverizada, fragmentou-se tanto que deixou de guardar o principal. E é preciso que eu veja tudo imenso, para sinalizar, marcar e poder fixar novamente.


Posso ser imensa, sim, como eu naqueles painéis. E aqui o tamanho é simbólico. Lembrar, fixar, marcar o meu caminho e todas os acontecimentos hiper-mega-importantes que me trouxeram até aqui, bem como visitar e resgatar as minha inúmeras micro-felicidades. Reviver meus mapas, revisitar a geografia de meus sorrisos mais sinceros, ressussitar as borboletas com as quais aprendi a estória da lagarta adormecida. Quero meu livro de história, ilustrado.

Vi a mim naquela mulher da propaganda. Sei que isso é o propósito, a intenção por trás da ilusão. E eu me vi ali mesmo sem nunca ter estado ali, estando ali. Borboleta teletransportada ao mundo do faz-de-conta, e a conta foi aberta, há nem muito tempo atrás.

(A propósito, o propósito: é uma propaganda de banco.)

Quero painéis imensos de mim à minha frente. Quero gratidões, reconhecimentos, molduras novas para obras-primas do meu museu arqueológico. Estou logo ali, na frente, escancarada e sorridente, espanando as memórias que guardei displicentemente em velhas prateleiras no esquecido quartinho dos fundos, que foi soterrado ates do vulcão adormecer.

Eu pendurada em paredes. Eu colada em outdoors. Eu em banners. Eu em balões de feira. Me quero ver lá.Nada mais justo. Eu mereço. Prá jamais esquecer o que fui, o bem que fiz e o bem que causei.


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