31 março 2008

Crescendo

Há pouco, quando voltava para casa, depois de deixar Anabela na escola, deparei-me com a seguinte cena: mãe e filha apressadas, a menina de farda escolar e mochila nas mãos, e a mãe explicado - em claro tom de discurso, como fazem todas as mães - à filha, que provávelmente passaria por uma prova ou teste logo a seguir.

A mãe dizia à filha não muito atenta, entre suas passadas apressadas na descida, que "decrescente são os números contados do maior para o menor" e que "crescente é o contrário, os números são contados do menor para o maior".

Muito bem.

Muito bem?

Isso aconteceu em poucos segundos. Cruzei com elas na pressa - delas - e no meu vagar de quem sente aquele sono irremediável pós almoço, com minhas orelhas distraídas. Elas realmente estavam com pressa, já passava da 1 e meia, horário de início da aula. E minhas orelhas não tinham sono, e mandaram o discurso quebrado para a sala de reuniões, onde milhares de neurônios estavam lá, no décimo segundo cafézinho do plantão de novidades. Não houve acordo de pausa.

A palavra "decrescente" não saiu de minha cabeça. De-cres-cen-te. Uma coisa que cresce ao contrário, como pode? Tem alguma coisa errada aí. Decrescer só com muita imaginação! Só em filmes, daqueles que a gente acompanha o cresimento do broto de feijão, feito pacientemente quadro a quadro, passado de trás...para frente! Só assim para "decrescer" alguma coisa...

Quando pequenos, fixamos os termos por insistência e não por entendimento. E este é um dos exemplos clássicos de termo mal concebido, ao meu modesto - porém pretensioso - pensar. Uma palavra sugere uma imagem. Se "crescer" nos sugere algo pequeno tornar-se grande, como é que "decrescer" pode sugerir o contrário?

"Decair" seria mais apropriado, não? Ordem crescente e ordem...decadente, ora pois. Todos sabemos e aprendemos rápidamete que a estrela cadente cai. E também sabemos, por experiência própria, que cair é para baixo.

A palavra "crescer" contida no termo "decrescer" confunde. Gravamos o termo "crescer", sabemos muito bem o que ele significa e ainda temos imagens em slow-motion disso gravadas na nossa memória.

Lembrei do rosto daquela menina ouvindo a mãe. Passou por mim como se um vento a levasse feito pétala de flor. Ela cresce em sua beleza infantil. Nunca decrescerá nela. Faixa cor de rosa nos cabelos lisos e compridos e um olhar confuso de menina que mal sabe o porque da aula todo dia.

Aulas todo santo dia. Num crescendo sem horizontes do fim.

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