17 março 2008

A risada do vovô Artur

Como descrever a risada de alguém?
Uma risada é algo indescritível. Onomatopéias e descrições de peitos aerados chacoalhantes seriam totalmente ineficazes. Quem conheceu o vovô Artur sabe do que estou falando.

E como descrever uma risada que não se vê e nem se ouve? Uma risada que está só no olhar? Uma risada que mora só num fio de canto de boca, quando no outro canto mora a ponta achatada de um palheiro apagado? Seria preciso um esforço muito grande para abstrair isso. E muito talento para fazer-se entender.

Um radinho de pilha no ombro fazendo concha ao ouvido, um tamanco surrado nos pés também surrados, uma cuia na outra mão, bomba na boca, cotovelo no joelho, uma manhã quase noturna naquela varanda. Acho até que os pássaros nos mamoeiros silenciavam para só observar.
Eis personagem e cenário.
Era a reunião matinal do empresário com seus colaboradores em sua empresa, para planejar o que seria espontâneamente e necessáriamente mudado durante o decorrer das próximas horas. Se sol, se chuva, se calor, se frio. O "noticioso" dava as dicas das próximas adivinhações. Nada para se preocupar muito. Tudo ali era natureza e a acompanhava no seu tic-tac.

A piada podia sair na hora no café, no almoço ou na janta. Ou em todas elas. Piadas não tem hora, nem em velórios é possível segurar uma. E disso ele também fazia piada.

- Quem é que sabe jogar sete-belo?
Jogávamos pife, pontinho, canastra, escova. Mas sete-belo ninguém nunca ouvira nem falar. Perguntávamos como era o jogo e ele respondia:
- Só eu sei, agora. Dos que sabiam só sobrou eu, hehe.

E dizia isso sem o menor resquício de melancolia. Como se fosse um trunfo, um premio final. Vovô, o Highlander. Vovô e sua "mula manca". Até hoje eu não entendo aquela.

Mas prá quê entender? A risada dele é que era o meu prêmio. O grande lance era o mistério sem mistério. A vida de cada um se encarregava de mostar as piadas que viriam. As dele já eram as nossas, na sua bondosa, alegre e infinita herança.
Meu avô ria como uma criança, e isso eu soube, mesmo sem saber, no primeiro momento em que rimos juntos.

Um comentário:

Deni Daudt disse...

Ai qu lindooooooooooooo, saudade de nós do vovô.

Aquele era o cara.