03 abril 2008

sonhei

Eu tive um sonho essa noite, um sonho que mal lembro de tanto querer contá-lo a quem quer que seja. E, se mal lembro, e quanto mais não lembro, mais a vontade de lembrá-lo e contá-lo, nem que seja para minha tão solitária audiência. Preciso saber antes de mim o que se passa dentro de mim.

No estranhíssimo sonho - e todos eles são sempre e inegávelmente muito estranhos - eu sobrevivia à minha própria inconsciência adormecida. Ainda bem. Aquela mesma inconsciência que, uma vez despertada pela música do sonho, me deixa pasma diante de mim mesma, que me assusta diante do que há lá dentro escondido e pronto para me arregalar a garganta e o peito em um grito quase mudo de tão abafado. Nunca consegui gritar em um sonho. Gritar em sonho é escândalo.

Todos os sonhos são pesadelos legítimos e intransferíveis, não há sonho que nos dê paz. Acorda-se ou não num pulo que não se pula, queria-se mais ou queria-se menos, ou simplesmente queria-se que o chão subisse e nos alcançasse os pés, que nos resgatasse do tormento da total incompreensão.

No sonho paga-se - e caro! - pelo transporte lá na saída, e depois de descer dele.

Sonhos são verdadeiros campos minados. E nem a cautela nos aparece para tentar salvaguardar-nos de inevitáveis explosões anunciadas. Nem mesmo a covardia comum nos mantém estáticos e seguimos em passos largos, quadro a quadro mutantes em longos segundos. E o precipício nos chama no seu mais fundo fundo. A queda é livre, caímos feito anjos, mas o chão que nos recebe inexiste na memória. Antes disso, acordamos.

Pior é ainda que assistimos a tudo isso dormindo, de olhos bem fechados, pés descalços e seminus, o que nos deixa ainda mais desprotegidos e palpáveis. O tempo fecha no sonho. E depois o tempo abre, precioso e escancarado, ao som do sempre consciente mecanismo inabalável de um despertador.

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