29 maio 2008

Mintz

Sempre adorei gatos. Sem querer explicar muito o porquê disso, somente digo que gosto do gato pois ele é fofo, leve, carinhoso e brincalhão. Muitos acusam o gato, como animal de estimação, de ser interesseiro e igualmente o definem como independente, como se isso fosse algo ruim para seu dono. Pelo contrário, ser independente dá espaço ao dono do gato e ao próprio gato.

Gatos, ao contrário dos cães, não são subservientes, não esperam migalhas de atenção, não se submetem a caprichos nem mau-humores de seus donos. Amam quem lhe afaga e lhe alimenta. Em troca, mostram satisfação ao rolar com um novelo de lã ou ronronar ao colo, na posição e lugar que ele mesmo escolheu. Nem sempre ele quer o colo, pode escolher seu lugar favorito para deitar-se, e geralmente é onde ele se sente melhor acomodado.

Na minha pós-adolescência eu tive um gato branco malhado chamado Mintz. Mintz é um nome genérico, todo alemão chama um gato ou gata de mintz. Ele era meu companheiro nas noites em que eu ficava junto à mesa de desenho fazendo os trabalhos da faculdade. Muitas vezes ele me interrompia, fazendo questão de sentar-se exatamente sobre o desenho, como se dissesse "ei, que tal um carinho em mim agora?" ou "qualé, não vai parar com essa coisa chata e maçante?", e eu só podia mesmo era rir dele ali sentado, com seus lindos e grandes olhos verdes pousados o movimento da caneta à naquim na minha mão.

E toda a manhã de domingo, quando eu dormia até quase meio dia, ele ia até os meus pés e ali se deitava, aguardando pelo meu despertar. Era um grande companheiro. Me respeitava, me acompanhava, até me "aconselhava", me divertia muito com suas brincadeirinhas de gato. E, quando espichado ao sol nos dias de frio, ele sabia - tenho quase certeza disso - que eu o observava, para o meu deleite. É incrível a paz que eu ganhava com essa visão. Era lindo isso.

Pois Mintz teve um final trágico. Tão trágico que nunca esquecerei desse dia.

Um vizinho, dono de um posto de gasolina perto da casa de meus pais, tinha o hábito de dar uma caminhada com seus dois cães "marca" Fila. Eu detestava aquele homem, baixinho, parrudo e com cara de poucos amigos, sendo puxado por aqueles aspirantes de monstrengos malhados.

A casa de meus pais era de esquina e o jardim era aberto à calçada, sem grades. Era noitinha. Eu estava no gabinete-biblioteca estudando e Mintz estava, como de costume, deitado no capacho frente à porta de entrada, aproveitando o que ainda restava de calor antes de entrar para comer. Da janela eu o via. E da janela eu vi aquelas feras se aproximarem e atacarem meu gato indefeso, em dupla.

Nem miar ele conseguiu, e eu só ouvia rosnados. O sangue dele jorrou e manchou as paredes da área de entrada. Saí gritando como uma louca para abrir a porta e tentar salvá-lo, mas era tarde demais. Com os dentes no seu pescoço e o sacudindo de um lado para o outro, os cães fugiram carregando sua presa em direção ao seu antepático dono que já chegava em casa, a qual ficava bem perto, logo depois da praça. E eu fui correndo atrás, cheia de dor e raiva, querendo reverter aquilo que sabia que não tinha mais jeito.

Cheguei à casa e bati à porta, insistentemente, e gritando. O covarde havia se escondido e mandou a mulher atender. Eu só gritava e chorava "seus cachorros mataram o meu gato na porta de minha casa!" e "prenda essas feras assasssinas!"...ou coisas parecidas com isso. A minha dor era insuportável. Eu queria o corpo do meu Mintz, pelo menos, queria ter certeza. A mulher, com cara de nada, não disse coisa com coisa e fechou a porta na minha cara. Insisti, bati, gritei "assassinos!!" e saí inconsolável perambulando e chorando pela rua.

Cheguei a minha casa e minha irmã já terminava de limpar o sangue de Mintz nas paredes. Eu só chorava. Nada era justo. Não fazia sentido a invasão, o ataque, a violência, a crueza da morte e a consequente perda. Era só um gatinho branco malhado, dormindo no calor de um resto de sol. E só eu entenderia o que mais aquela perda significava em meu pequeno universo de menina sem rumo.

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