03 junho 2008

Saio de carro pela manhã, cedinho, para levar Bernardo ao colégio. Cai uma garoa fina e faz um frio serrano, coisa fora do tempo e do lugar no mapa, mas um frio legítimo para aqueles todos que acreditam que ele existe como tal. É preciso ter fé até nisso.

Há silhuetas na rua, silhuetas com agasalhos improvisados e pés mal calçados que se movimentam com pressa de chegar ao seu seco destino. Sempre haverá um destino para todos, mas para alguns ele simplesmente estará em qualquer ponto ao seu redor. É tudo uma questão de magia. Enxergá-lo é pura magia.

Na descida da minha rua identifico com um olhar rápido aquele que já me é familiar. Lá está o Zé em sua caminhada de destino mágico. Magro, barbudo, metido naquele calção ordinário e naquela camiseta surrada, hoje ele se apresenta com um agasalho a mais. Alguma alma caridosa tratou de lhe providenciar isso, já que ele mesmo parece alheio à chuva e ao frio, o que me faz intuir que ele vive sempre num dia de sol.

De onde ele vem eu não sei. Para onde ele vai eu - acho - que ele sabe. E ele desce e sobe. Pára às vezes, treme as mãos e faz um ar sério ao olhar para algo que está ali, entre o seu olhar e o asfalto da rua. Não se convence, e ainda de cabeça levemente abaixada, olha para os lados sem ver ninguém ou nada que lhe diga coisa alguma. Gira o corpo uma vez, duas. Hesita, dá um passo, muda de direção.

E sobe de volta, com um semblante não muito convencido de que fez o que era o certo. No meio da descida ele pára novamente, olha para o chão, para os lados, hesita, gira, dá um passo na direção oposta, treme as mãos e o cabelo pinga em sua face preocupada, simulando lágrimas que ele talvez conseguisse chorar.

Há algo em Zé que me transtorna e me põe entristecida, além daquilo que deixaria a qualquer ser sensível também entristecido. Suspenso do que foi e da vida que é, ele existe como tal, ele está. Até quando?

Nenhum comentário: