30 julho 2007

recadinho da Jo

Madeira e vidro gelado
da mesa feita de apoio
de um desenho no guardanapo.
Um recado breve
ilustrado por mão amiga
da artista só
numa noite de sexta qualquer
para quem quiser ler.
A alegria, o encontro,
a conversa miolo de pote,
as gargalhadas, o calor
o mundo de vinho girando,
mergulhos em chocolate,
perfume de baunilha e canela,
o abraço que une, o vapor,
uma idéia de vive.


O banheiro do D. Antônia


O banheiro do Café Dona Antônia tem um quê de nostalgia e descontração, tudo arranjado com muito bom-humor.
Um balde de zinco ordinário, com duas esponjas naturais. Um banquinho tosco de madeira, com a pintura de umas galinhas dángola coloridas. Sobre ele, vasinhos de violetas.
Acima, atrás do vaso sanitário, bem como à sua frente, duas esteiras de juncos para afixar recadinhos, escritos em guardanapos pelos frequentadores do café. É claro que já deixei um recadinho ali. Não perderia essa oportunidade, jamais!
O balcão da pia, feita de louça esmaltada - como os pinicos antigos - é feito (acho)de restos de uma porta pintada por várias vezes, e desgastada, mostrando todas as cores.
O piso, cimento queimado e manchado. Nas paredes, uma singela pintura em estêncil sobre as ranhuras de um reboco grosseiro amarelado.
Quadrinhos toscos, com simples azulejos pintados em preto-e-branco.
Um espelho redondo, com moldura de ferro fundido, decorado com flores em baixo relevo.
E aquela "casinha", a latrina de antigamente, que ficava sobre a caixa de descarga do vaso sanitário, já não está mais lá. Por sorte eu a fotografei antes do seu misterioso sumiço.
Quem a roubou dali, tenha piedade, e a coloque de volta! Fazia parte de um contexto que já não se vê mais nas casas atuais, tão cheias de modernidades, mas tão vazias de poesia.

29 julho 2007

"Nós temos um pacto"

Assisto à final de vôlei, Brasil x EUA, quando o Brasil foi ouro, finalmente. E nas entrevistas após o jogo, ouço Giba, aquele dos olhos claros e bigode easy rider, dizer ao seu colega Ricardindo - que certamente assistia ao jogo, em casa - , emocionado:
- Não esqueça: nós temos um pacto!
Ricardinho, que fora cortado da seleção neste PAN, por questões disciplinares, considerado o melhor levantador do mundo neste último Mundial, deve ter-se emocionado com que ouviu. Ali estava antes de tudo um amigo muito leal, um companheiro que sentia muito a sua falta ali, mesmo e já acontecendo a festa do ouro. Uma bandeira rabiscada deixava isso bem claro a um Brasil inteiro.
Nós temos um pacto, disse Giba ao se companheiro de tantas glórias e alegrias, que não estava presente. Que não mergulhou na quadra e nem tampouco colocou o pé direito sobre o pódium para aguardar a entrega da medalha, e nem ouviu um maracanãzinho de gritos, olas, olés, assim, ao vivo. Ricardinho estava de fora, de castigo, provávelmente sentado em um sofá em casa, na frente da tevê...mas estava também dentro do coração de Giba, em todos os momentos dessa decisão dourada, e até mesmo nos vestiários, treinos, concentrações e preleções.
Nós temos um pacto, disse Giba.
E ter um pacto significa estar acima de todas as adversidades e infortúnios, de todas as derrotas e vitórias, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na guerra e na paz.
Nós temos um pacto, disse Giba. Não esqueça disso. Viva nessa esperança, concentre-se e faça o seu melhor. Tudo tem solução, tudo tem volta, a glória é nossa e também sua.
Estaremos juntos, sempre, seja em que lugar ou situação.
Grande, imenso Giba! Que lição de lealdade!

28 julho 2007

Coisas de se fazer hoje



Faço aqui uma breve lista

de coisas a fazer hoje:

despedir-me do travesseiro

espreguiçar, levantar, jogar água no rosto

pentear os cabelos e juntá-los à nuca num nó.


Despir-me do sono, feito de camisola.


Aguar as sobras da noite

e encaminhá-las à fonte

onde tudo nasce novamente.

(nada de desperdícios, quero tudo de volta!)


Vestir sapatos acolchoados,

daqueles que têm alvas asas,

um traje esvoaçante e azul,

e sobretudo, um nada,

que nada mais é do que a ausência de si.


E sem mim começo meu dia.


Sem mim, sem vestígios de ontem,

e de olhos bem fechados

olhar as paredes e procurar as brechas

que deixam passar as cores
e que me levam além da luz

daquilo que nem sei que pretendia ser.

18 julho 2007

hay dias e dias



Há dias que conto as horas

como se fossem pecados sucessivos.


Horas imensas,

poderosas

cheias de desesperanças.

Nos relógios nada muda

mesmo nos tic-tacs mudos

e ponteiros inexistentes

que apontam para números

que também inexistem.

O tempo, ser indelével,

incorrompível

mostra a sua crueldade

e não passa,

ou passa sorrateiro demais.

Deixa marcas,

perpetua-se,

incólume e

na memória dos distraídos

e incautos sonhadores.

15 julho 2007

meu novo bairro

Mudei-me para um novo bairro
logo ali, depois daquela esquina
e vejo hoje o que não via antes.
Vejo pessoas comuns, babás e suas crianças,
estudantes de ar compenetrado descendo a ladeira,
mulheres disformes e sofridas carregando sacolas,
homens feios e rudes, sujos de seu trabalho feito com as mãos.
Há também os meninos e sua bola que
no meio do asfalto, ignorando os carros que rápidamente passam,
brincam de ser aquilo que são, sem nenhum constrangimento
e tampouco preocupações com o dia e suas horas.
Há cheiros diversos no ar, de comidas,
de sarjetas, de fermentos e do vento temperado pelas folhas
das mangueiras, abacateiros e do fumegar de brasas de carvão
dos fogões improvisados em latas de tinta.
Há casas pequenas, não-acabadas, com portas abertas
mostrando o escuro da falta de janelas,
assim como há janelas e seus olhos sonhadores
a observar a vida que não queriam para si.

meu pai



Domingo. Meu pai era um gringo.


Meu pai, filho de uma terra que misturou-se à uma outra, tinha o sonho no sangue. Era um sonho sonhado como os outros sonham, só que, para ele, os sonhos tinham o dever de se tornarem realidade. E ele fazia de tudo para que isso acontecesse.

Tudo o que fazia era em busca do inédito, do incomum, mesmo que esse incomum fosse sómente uma nova interpretação daquilo que já existia. E a isso dedicava-se com paixão cega, com afinco, com todos os seus sentidos maravilhados com aquela possibilidade.

Tinha que ser possível, tinha! Como não? O que faltava? É preciso pensar, inventar!

Nem que, para isso, tivesse que deixar de lado - ou colocar em segundo plano - algumas das coisas e pessoas que mais amava nessa vida. Deixaria de existir para elas durante o tempo que fosse necessário à materialização do seu objetivo, mas isto não queria dizer que o seu objetivo estava acima de tudo, o que custava a entender àqueles que o amavam.

Passou a vida inteira perseguindo pistas, seguindo rumos possíveis, fórmulas ainda não comprovadas de idéias mirabolantes de felicidade, dentro da sua lógica que icluía tão sómente as novidades. Mas, mesmo com toda essa paixão, o fez ainda muito tímidamente, pois não conseguiu e não teve o estímulo e a fé que tanto necessitava, nem junto de seus pares e tampouco dos seus familiares. Por isso, acho eu, sentiu-se um fraco, um incapaz, e rendeu-se àquela vidinha medíocre, que tanto lhe deixava triste. A vida medíocre lhe era um monstro destruidor de prazeres. A mesmice lhe soava como um mal terminal. E ainda houve a doença, o mal que também lhe atingia o corpo físico, a corroer o que lhe sobrara de vontade, além da grande negligência que passou a ter com a sua própria figura, antes tão luminosa e brejeira.

Meu pai tentou ser um artista do impossível.

Sabia, certamente, que sua arte precisaria de liberdade, de amor-próprio, de fé em si mesmo.

E precisou tanto disso, que rendeu-se também à falta que isso lhe fez.

Ao final da vida, desistira de si mesmo.

Achou que não valia a pena continuar. Deu como encerradas suas inúmeras capacidades.

Decretou a própria falência.

Apesar de saber amar com maestria, amou-se muito pouco.

E é preciso muito amor para levar a vida adiante. Nem que esse amor venha sómente de si mesmo. A fonte do amor está em nós.

E isso aprendi com ele.

13 julho 2007

carpinejadas da tarde

"...Meu tempo transformou-se curiosamente na minha falta de tempo. Sempre me desculpando, sempre alegando algum outro compromisso. Ainda mais para quem não aprendeu a dizer não. Eu desmarco, não nego nada. O constrangimento de cancelar algo me transtorna. Fico dias sem dormir aventando perdões absurdos. Qualquer contemporâneo tem vidas paralelas. E mortes paralelas também. Existe um único antídoto para a falta de tempo. Um único. Estar apaixonado. Esquecer de si para inventar o desejo. O desejo transforma-se no próprio tempo. Tudo é adiado. A dispersão nos leva a reparar nas janelas, nos interruptores, nos sapatos dos colegas. As córneas se abaixam. Nada mais tem tanto significado do que se aprontar, ensaiar e aguardar perfumado o encontro. Passar as roupas é uma necessidade. Os vincos são desafiados com inusitada paciência. Depilamos a agenda. Compromissos sérios pulam de casas e horários. Antes imutáveis, as reuniões trocam de vôo de modo nervoso. O trabalho passa violentamente rápido. Não há o medo de ser demitido, o medo de se proteger, o medo de repetir as relações passadas, a segurança de prever. Cada um assume uma condição noturna, intermitente, o olhar abobado e a vontade excessiva.
A imaginação pára a escrita em um só nome..."
Fabrício Carpinejar

o que é que está faltando?




Ontem assisti a uma entrevista com um médico, que defende em seu recente livro que o sexo do ciúme é masculino. E ele justifica isso, afirmando de pés juntos que o homem tem um ciúme irracional, ou seja, não pensa na hora do surto. O ciúme toma conta, invade o seu cérebro, e as razões do mesmo são deixadas em um segundo ou terceiro ou quarto ou quinto planos.


Grande novidade, não?


Ai, o sentimento de posse! Existe coisa pior do que querer ser dono de alguém?

"Quem ama, bloqueia"...diz aquela propaganda de celular. Sim, dá para fazer analogias, mas coloquei isso aqui só para ilustrar. Fala-se disso até em propagandas. Interdita-se alguém, em nome do amor...quando o amor é a própria liberdade.


"Só se cativa o que não se amarra...", bem lembrado hoje pela manhã, já diz o bendito Jorge Drexler, cantando.

07 julho 2007

07.07.2007



Sete e sete, são catorze

Com mais sete, vinte e um.

Tenho sete namorados

e não gosto de nenhum.


Essa é a minha modesta homenagem ao dia de hoje.

Uma musiquinha que cantava na infância.

Prá quê mais?

Bom. Já nem consigo colocar um título...isto aqui está me boicotando hoje. Também.
Já não vou mais ao peitoril olhar aquela paisagem. Por um ano e meio ela esteve ali, à minha frente: duas ruas perpendiculares, asfaltadas, uma descendo e outra rente ao chão. Uma placa luminosa, uma construção, o belo jardim do vizinho ausente e quase inexistente - não o conheci até hoje, apesar das grandes festas -, as quaresmeiras e suas flores roxas e lilazes, o edifício branco e feio daquela esquina à esquerda, o simpático conjunto de casinhas coloridas na da direita, e outras tantas peculiaridades, além do céu que hoje, excepcionalmente, está semi-azul nesta tarde.
Nesta tarde olho para meu atelier como se olhasse para dentro de mim. Uma zona. Uma verdadeira bagunça. Tudo desconectado de tudo. Como restos de vários quebra-cabeças incompletos, todos misturados dentro de uma caixa de papelão. Pedaços de vários períodos de tempo, registros inacabados de algumas boas memórias, que nem fazem mais aquela mesma alegria que me faziam antes.

03 julho 2007

velha, diabética e rodeada de gatos



No filme "Chocolate" há uma personagem que gosto muito. Uma senhora de idade bem ranzinza, cuja filha viúva se esquiva de encontrá-la por causa do jeito como leva a vida, despreocupada de sua doença: ela é diabética. E, apesar de diabética, vive naquela deliciosa doceria recém aberta por aquela estranha e bela mulher, que veio sabe-se lá de onde, com a pequena e sonhadora filha, para atormentar as pessoas de bem com os seus maravilhosos bolos, bombons e chocolates.


O filho da filha viúva gosta muito da avó, certamente ela lhe atrai pela liberdade na qual vive, coisa que crianças amam ter para si próprias. Mas, por causa da marcação cerrada que sua mãe faz sobre si, tem que fugir sorrateiro, a cada vez que ele a quer encontrar, seja lá onde for. Ele ama a avó e, apesar de sua ranzinzice e mágoa da filha que a repele, ela acolhe o neto com todo o seu amor. Uma linda estória, dentro da outra estória. Em uma outra cena linda, o menino entrega à avó, de presente pelo seu aniversário, um retrato que fez dela. Lembro muito bem da expressão de seu rosto, ao ver a obra de arte do neto...mas não saberia aqui descrevê-la com precisão. É um misto de surpresa, satisfação extrema, amor, mas tudo isso só no olhar...naqueles minúsculos e apertados olhos azuis daquela atriz maravilhosa, que se chama Judi Dench.


Gosto de me ater, hoje, nos filmes que assisto, às estórias secundárias, aos atores coadjuvantes. Geralmente isso me surpreende e me encanta mais do que a narrativa principal. É claro, os atores principais precisam dos coadjuvantes como as flores precisam de água num vaso. Mas as estórias paralelas, que cruzam com essa narrativa principal e os atores coadjuvantes é que movimentam e fazem os filmes sairem do chão. Posso estar falando aqui o óbvio. Mas nunca li nada a respeito, sou uma leiga no assunto, falo o que sinto.

Como personagem secundário de minha própria história, uma outra Eu se manisfesta, atuando e convencendo a quem lhe assiste, cada vez mais, mas não por falta de personagens principais, mas por estes serem muito, mas muito sem graça. Medíocres. Canastrões. Filme de quinta categoria.

A outra Eu quer roubar a cena. Quer ser uma Judi Dench dentro de uma trama mágica, cheia de grandes emoções. Uma velha, sim, mas uma velha fogueteira, cheia de vontade de viver, se empanturrando de das delícias que a vida oferece, sem limites.

Sózinha? Talvez. Diabética? Sim, por que não? É hereditário, outra "má herança"...mas isto é o de menos. Viver é que é o grande lance. E os gatos, brincalhões, carinhosos, silenciosos e independentes seriam sua nem tão fiel companhia. Fidelidade é algo que gatos tem a si mesmos, coisa que deveríamos copiar.








ditados sem dados




Desde que o mundo é imundo

que a gente procura

como fazer uma mudança

que não termine

em uma faxina.


E isso me fascina.

as dobras que o tempo dá



Era uma vez um parque de diversões chamado Tupy, que, em guarani, quer dizer Tupi. Ficava na Avenida da Igreja, em Tramandaí, que também termina com "i", e que também é um nome guarani, que, por sua vez, também termina com "i".
Lá no Parque Tupy tinha um brinquedo chamado Chapéu Mexicano. Data estelar: 1973 a.C. e/ou adjacências. Não me perguntem a data pós Big-Bang. Muitos zeros.
Pois o Chapéu Mexicano era muito procurado pela garotada. Adrenalina pura, na época. Grandes emoções ao girar em torno de um eixo, sentados em uma espécie de balanço, assim, colocados aos pares, como aquele carrossel dos cavalinhos, só que sem os cavalinhos. Eram balanços que, quando o chapéu-carrossel começava a girar, a força centrífuga os levava a querer sair pela tangente. Trigonometria e física puras.
E a gente pensava que voava...e gritávamos, aos berros, como hoje se grita na montanha russa. Vomitávamos também, se tivéssemos comido algo antes.
Enquanto rodávamos naquele carrocel ensandecido, o tempo passava e perdíamos nosso tempo, nas voltas que o mundo e o chapéu mexicano davam.
E dali saíamos bem zonzos, grogues e totalmente tontos, eventualmente até vomitados, vendo as estrelas do céu onde elas menos poderiam estar: aos nossos pés, entre os pedriscos do chão batido, em uma noite de muitas nuvens, vento e lua cheia.
Não é à toa que muita coisa deixávamos passar à nossa frente, sem precebê-las. Tudo culpa daquele Chapéu Mexicano do parque em Tramandaí. E mesmo que continuássemos a dar muitas voltas naquela outra avenida, a que chamaram de Emancipação, continuávamos com nosso delírio de ver somente aquilo que queríamos ver, mesmo sem saber bem o que procurávamos.
Mas estávamos procurando, isso inguém pode negar. Cada um ao seu jeito, ao seu nível de busca, ao seu tempo. Procurávamos uns pelos outros, mas não nos achávamos, pois difícil era distinguir corações que batiam na mesma frequencia que o nosso, tal a zoeira da animação que as férias na praia provocavam na gente, sem falar de outras gostosuras que compartilhavam de nossos desejos carnais, como sorvetes, maçãs-do-amor, pipocas de chocolate e os memoráveis pasteis do japonês da galeria.
Numa dobra de tempo, sabe-se hoje que algo parou e ali ficou, lá em Tramandaí, aguardando a próxima volta do Chapéu Mexicano, que nem existe mais por lá. O mais incrível disso tudo foi a descoberta de que a próxima volta existiu, e durou um tempão prá acontecer...mas, como dizem os ilustres e sábios desconhecidos por nós, estes seres de outros mundos que caíram aqui por descuido, antes tarde do que nunca.
As dobras do tempo são pródigas, fazem milagres e disso nem mesmo Einstein sabia.